Crónica sem fim...
Tenho dois pares de óculos: um para ver ao longe, quando me apetece, e outro para ver ao perto, porque necessito. Iguais aos que se vendem nas farmácias só que mais baratos, genéricos portanto. Dou por mim, vezes amiúde, a tirar os de ver ao longe para gozar aquele ambiente difuso que me deixa espaço na concentração para apreciar detalhes. Curioso: que deveria por os de ver ao perto, porque são detalhes, dirão! mas não são esses os pormenores a que me refiro, são os que apenas a alma vê, sôfrega de conhecimento, utilizando esta artimanha para recrutar aquela parte do cérebro quase desprezada pela pressa das vidas e oca daquilo que nos rodeia.
Sentado na minha cadeira da esplanada, como em casa, quase sempre na mesma porque sou um animal de velhos hábitos e porque detesto sentar-me numa base quente, pouso o segundo par em cima da mesa que me cabe, os dever ao perto, e regalo os olhos por aquela espécie de janela para o resto do mundo, através dos dois óculos de ver ao longe. Quando, anestesiado já pela rotina fastidiosa, quando as passadas das pessoas ou os rituais humanos já me toldam e fazem lacrimejar, mudo de par.
Uma nova atitude renasce até que, ela também, se torne um acto rotineiro. Seguramente não distingo a mais de cem metros e essa bolha que me rodeia permite distanciar-me, temporariamente, para aquele mundo imaginário onde as cores também são tons e os sons são da brisa que lhes limpa aquele ar embaciado que nos confunde e parece camuflar as formas.
(...)
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